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Em fim de estação 

 

1.- O vento e a chuva barafustam e abanam as árvores com violência e o mar, na baía, revolta-se em ondas alterosas que se desfazem nas pedras roliças da costa, anunciando a mudança de estação.

Já não se descortina São Jorge. As Fajãs dos Vimes e de São João cujo casario se aninha pertinho do mar, fugindo às escarpas e às marés altas, escondem-se dos ventos muito fortes sem quadrante certo. Deste lado do canal, onde há dias, se avistou uma baleia azul espreguiçando-se ao vento e lançando um rasto de espuma branca, as mulheres agasalham-se em casa e, de vez em quando, correm, temerosas, as cortinas da janela em busca de  uma nesga de céu que anuncie a calmaria.

Quem não se acautelou do inverno sujeitou-se a não ter transporte pois o mar e os grevistas alteraram, a seu belo prazer, as datas da partida.

São assim as Ilhas - um arquipélago de belezas e encantos, de invernias e tempestades, onde não se pode programar, com certezas.

O barco que nos dias de Junho e Julho se apressou a andar, de porto em porto, distribuindo gente em busca de descanso e folia, está há dias paralizado sem pilotos da barra que os guiem e com vagas alterosas pela frente,  habituais nesta época.

Sempre assim foi, desde que me conheço. Por aqui chamavamos a estas invernias o “ciclone do João Lacerda”, veraneante lajense com adega no alto da Engrade, que se antecipava sempre às mudanças atmosféricas próprias da chegada do outono.

Levamos pela cara com o rossio do mar revoltoso que obriga a recolher embarcações de pesca e com um céu medonho carregado de chuva e de ventos revoltos, enquanto no continente, temperaturas altas atiçam fogos destruidores de vidas e haveres, e aquecem banhistas em fim de verão.

Os açorianos nascem e vivem condicionados pelo tempo, pelos astros, pelos elementos da natureza e pelos constrangimentos que eles, inevitavelmente, provocam nas suas vidas.

A insularidade é isto mesmo: afecta a alma e o sentir dos ilhéus e as suas manifestações culturais são distintas das dos continentais. É isto a nossa idiossincrasia. Este modo de ser e de estar no mundo não se ensina, nem se decreta, vive-se estando aqui, com o mar perto e o horizonte fechado, como agora acontece.

Os continentais habituados à continuidade territorial, sem constrangimentos que os impeçam de viajar quando bem querem e entendem, têm dificuldade em entender esta diferente forma de vida.

Quando aqui se deslocam, dizem maravilhas da paisagem das ilhas, mas não entram na alma deste povo. A insularidade e a ultraperiferia não se apreendem com estudos demográficos, económicos, culturais e outros, nem a saudade que molda a literatura e a música açorianas se percebe de fora.

2.- Está velho e gasto o discurso político dos governantes continentais quanto às transferências financeiras do Estado para a Região. Neste tempo de carências de toda a ordem, parece que não se olha a nada, nem se tem em conta os constrangimentos insulares. Põe-se em causa a solidariedade da nação para com o povo destas ilhas que aqui vive garantindo a soberania portuguesa no Atlântico, numa área de um milhão de quilómetros quadrados.

Um dia destes, um organismo parlamentar da República defendeu a redução das transferências financeiras do Estado e o aumento da carga fiscal nos Açores. Como se tivessemos de pagar para viver aqui e não tivessemos direitos, constitucionalmente consagrados, à dignidade, aos cuidados de saúde, à educação, à segurança social, enfim, a uma vida digna.

Aos poucos e poucos, os representantes dos orgãos de soberania e alguns responsáveis continentais, vão-nos empurrando pela borda fora, como se fossemos um peso morto. É uma evidência que nos revolta pois a história portuguesa também passou por aqui em épocas assinaláveis.

Por muito menos os caboverdianos tomaram nas mãos o seu destino e afirmaram a sua vontade de ser um povo soberano, arrostando contra todas as consequências e dificuldades que isso comportava. Hoje são um país respeitado.

Não continuem a tratar-nos como estranhos. A terra que pisamos é nossa e, tal como no passado, saberemos defender-nos dos corsários.

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